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  a evaporação, a densidade

  menor que a do ar.

  The Lesson of Poetry

  1

  The whole morning spent

  like a motionless sun

  before the blank page:

  beginning of the world, new moon.

  You could no longer trace

  so much as a line;

  not one name, not one flower

  bloomed in the table’s summer,

  not even in the bright midday

  purchased daily in the form

  of paper, which can accept

  any kind of world.

  2

  All night long the poet

  at his desk, trying to save

  from death the monsters

  germinated in his inkwell.

  Monsters, animals, phantoms

  of words — meandering,

  urinating over the paper,

  smearing it with their lead.

  Pencil lead, the lead

  of obsessions, lead

  of dead emotions, lead

  consumed in dreams.

  3

  White struggle on the paper

  which the poet avoids,

  white struggle of blood

  flowing from his saltwater veins.

  The physics of fear discerned

  in daily gestures; fear

  of things that never rest and yet

  are immobile — unstill still lifes.

  And the twenty words collected

  in the saltwater of the poet,

  to be used by the poet

  in his efficient machine.

  Always the same twenty words

  he knows so well: how they work,

  their evaporation, their density

  less than the air’s.

  from

  Psicologia da composição / Psychology of Composition

  1947

  Psicologia da Composição

  II

  Esta folha branca

  me proscreve o sonho,

  me incita ao verso

  nítido e preciso.

  Eu me refugio

  nesta praia pura

  onde nada existe

  em que a noite pouse.

  Como não há noite

  cessa toda fonte;

  como não há fonte

  cessa toda fuga;

  como não há fuga

  nada lembra o fluir

  de meu tempo, ao vento

  que nele sopra o tempo.

  VI

  Não a forma encontrada

  como uma concha, perdida

  nos frouxos areais

  como cabelos;

  não a forma obtida

  em lance santo ou raro,

  tiro nas lebres de vidro

  do invisível;

  mas a forma atingida

  como a ponta do novelo

  que a atenção, lenta,

  desenrola,

  aranha; como o mais extremo

  desse fio frágil, que se rompe

  ao peso, sempre, das mãos

  enormes.

  VII

  É mineral o papel

  onde escrever

  o verso; o verso

  que é possível não fazer.

  São minerais

  as flores e as plantas,

  as frutas, os bichos

  quando em estado de palavra.

  É mineral

  a linha do horizonte,

  nossos nomes, essas coisas

  feitas de palavras.

  É mineral, por fim,

  qualquer livro:

  que é mineral a palavra

  escrita, a fria natureza

  da palavra escrita.

  Psychology of Composition

  II

  The blank page

  won’t let me dream;

  it incites me to clear

  and exact poetry.

  I take refuge

  on this pristine shore

  where nothing exists

  for night to fall on.

  Without any night,

  all fountains cease;

  without any fountain,

  there is no flight;

  without any flight,

  nothing recalls the flowing

  of my time, in the wind

  wherein time blows.

  VI

  Not the form found

  like a seashell, lost

  among sands as limp

  as hair;

  not the form obtained

  by a lucky or divine throw,

  by shooting at glass rabbits

  of the invisible;

  but the form attained

  like the end of a skein

  which the spider

  of careful attention

  unrolls; like the furthest

  point of that fragile thread,

  inevitably snapped

  by the weight of huge hands.

  VII

  Mineral

  the paper used

  for poetry, the poetry

  it is possible not to write.

  Mineral

  the flowers and plants,

  fruits and animals,

  when in the state of words.

  Mineral

  the distant horizon,

  our names, all things

  made of words.

  Mineral

  the book, any book, because

  the written word is mineral,

  mineral the cold nature

  of the written word.

  Antiode

  (contra a poesia dita profunda)

  A

  Poesia, te escrevia:

  flor! conhecendo

  que és fezes. Fezes

  como qualquer,

  gerando cogumelos

  (raros, frágeis cogu-

  melos) no úmido

  calor de nossa boca.

  Delicado, escrevia:

  flor! (Cogumelos

  serão flor? Espécie

  estranha, espécie

  extinta de flor, flor

  não de todo flor,

  mas flor, bolha

  aberta no maduro.)

  Delicado, evitava

  o estrume do poema,

  seu caule, seu ovário,

  suas intestinações.

  Esperava as puras,

  transparentes florações,

  nascidas do ar, no ar,

  como as brisas.

  B

  Depois, eu descobriria

  que era lícito

  te chamar: flor!

  (Pelas vossas iguais

  circunstâncias? Vossas

  gentis substâncias? Vossas

  doces carnações? Pelos

  virtuosos vergéis

  de vossas evocações?

  Pelo pudor do verso

  — pudor de flor —

  por seu tão delicado

  pudor de flor

  que só se abre

  quando a esquece o

  sono do jardineiro?)

  Depois eu descobriria

  que era lícito

  te chamar: flor!

  (flor, imagem de

  duas pontas, como

  uma corda). Depois

  eu descobriria

  as duas pontas

  da flor; as duas

  bocas da imagem

  da flor: a boca

  que come o defunto

  e a boca que orna

  o defunto com outro

  defunto, com flores,

  — cristais de vômito.

  C

  Como não invocar o

  vício da poesia: o

  corpo que entorpece

  ao ar de versos?

  (Ao ar de águas

  mortas, injetando

  na carne do dia

  a infecção da noite.)

  Fome de vida? Fome

  de morte, freqüentação

  da morte, como de

  a
lgum cinema.

  O dia? Árido.

  Venha, então, a noite,

  o sono. Venha,

  por isso, a flor.

  Venha, mais fácil e

  portátil na memória,

  o poema, flor no

  colete da lembrança.

  Como não invocar,

  sobretudo, o exercício

  do poema, sua prática,

  sua lânguida horti-

  cultura? Pois estações

  há, do poema, como

  da flor, ou como

  no amor dos cães;

  e mil mornos

  enxertos, mil maneiras

  de excitar negros

  êxtases; e a morna

  espera de que se

  apodreça em poema,

  prévia exalação

  da alma defunta.

  D

  Poesia, não será esse

  o sentido em que

  ainda te escrevo:

  flor! (Te escrevo:

  flor! Não uma

  flor, nem aquela

  flor-virtude — em

  disfarçados urinóis.)

  Flor é a palavra

  flor, verso inscrito

  no verso, como as

  manhãs no tempo.

  Flor é o salto

  da ave para o vôo;

  o salto fora do sono

  quando seu tecido

  se rompe; é uma explosão

  posta a funcionar,

  como uma máquina,

  uma jarra de flores.

  E

  Poesia, te escrevo

  agora: fezes, as

  fezes vivas que és.

  Sei que outras

  palavras és, palavras

  impossíveis de poema.

  Te escrevo, por isso,

  fezes, palavra leve,

  contando com sua

  breve. Te escrevo

  cuspe, cuspe, não

  mais; tão cuspe

  como a terceira

  (como usá-la num

  poema?) a terceira

  das virtudes teologais.

  Antiode

  (against so-called profound poetry)

  A

  Poetry, I wrote you

  flower! knowing

  you are feces

  like any other feces,

  generating mushrooms

  (rare, delicate mush-

  rooms) in the damp

  heat of our mouths.

  Squeamish, I wrote

  flower! (Are mushrooms

  flowers? Curious

  species, extinct

  species of flower,

  not entirely flower

  but still flower, a blister

  opening on ripeness.)

  Squeamish, I avoided

  the poem’s dung,

  its stem, its ovary,

  its intestinations.

  I waited for pure

  transparent flowerings

  born, like a breeze,

  in the air, of the air.

  B

  Later I discovered

  that it was all right

  to call you flower!

  (Because of your similar

  circumstances? Your

  soft substances? Your

  gentle hues? Because

  of the virtuous gardens

  of images you evoke?

  Because a verse, like

  a flower, is modest,

  so delicately modest

  with its flowerish

  modesty that it only

  opens when forgotten

  by the gardener’s sleep?)

  Later I discovered

  that it was all right

  to call you flower!

  (flower, image of

  two points, like

  a chord). Later

  I discovered

  the flower’s two points,

  the two mouths

  of the image

  of the flower: the mouth

  that eats the deceased

  and the mouth that adorns

  the deceased with another

  deceased, with flowers

  — crystals of vomit.

  C

  How not invoke

  the vice of poetry —

  the body that numbs

  in the air of verses?

  (In the air of dead

  waters, injecting

  into the day’s flesh

  the night’s infection.)

  Thirst for life? Thirst

  for death, attending

  death as one

  attends a movie.

  The day? Arid.

  So let the night come

  with sleep. So let

  the flower come.

  Let the poem come, easier

  and more portable

  in memory, flower

  in the vest of remembrance.

  How not invoke,

  above all, the practice

  of the poem, its method,

  its languid horti-

  culture? There are

  seasons for the poem

  as for the flower, as

  for love between dogs;

  and a thousand tedious

  grafts, a thousand ways

  to arouse black

  ecstasies; and the tepid

  waiting for these

  to rot into a poem,

  precocious emanation

  of the deceased soul.

  D

  Poetry, this is not

  the sense in which

  I still write you

  flower! (I write

  flower! Not a

  flower, nor that

  flower of virtue — in

  dissembled urinals.)

  Flower is the word

  flower, verse

  inscribed in verse,

  like mornings in time.

  Flower is the leap

  of a bird into flight,

  the leap out of slumber

  when its tissue

  is broken — an explosion

  made to work

  like a machine,

  a vase of flowers.

  E

  Poetry, now I write

  you feces, the living

  feces you are.

  I know you are

  other words, words

  impossible in poems.

  That’s why I write

  feces, a light word,

  counting on its

  brevity. I write you

  spit, plain spit,

  just as much spit

  as the third

  (how use it in

  a poem?) the third

  theological virtue.

  O cão sem plumas /

  The Dog without Feathers

  1950

  O cão sem plumas

  1

  (Paisagem do Capibaribe)

  §A cidade é passada pelo rio

  como uma rua

  é passada por um cachorro;

  uma fruta

  por uma espada.

  §O rio ora lembrava

  a língua mansa de um cão,

  ora o ventre triste de um cão,

  ora o outro rio

  de aquoso pano sujo

  dos olhos de um cão.

  §Aquele rio

  era como um cão sem plumas.

  Nada sabia da chuva azul,

  da fonte cor-de-rosa,

  da água do copo de água,

  da água de cântaro,

  dos peixes de água,

  da brisa na água.

  §Sabia dos caranguejos

  de lodo e ferrugem.

  Sabia da lama

  como de uma mucosa.

  Devia saber dos polvos.

  Sabia seguramente

  da mulher febril que habita as ostras.

  §Aquele rio

  jamais se abre aos peixes,

  ao brilho,

  à inquietação de faca
r />   que há nos peixes.

  Jamais se abre em peixes.

  §Abre-se em flores

  pobres e negras

  como negros.

  Abre-se numa flora

  suja e mais mendiga

  como são os mendigos negros.

  Abre-se em mangues

  de folhas duras e crespos

  como um negro.

  §Liso como o ventre

  de uma cadela fecunda,

  o rio cresce

  sem nunca explodir.

  Tem, o rio,

  um parto fluente e invertebrado

  como o de uma cadela.

  §E jamais o vi ferver

  (como ferve

  o pão que fermenta).

  Em silêncio,

  o rio carrega sua fecundidade pobre,

  grávido de terra negra.

  §Em silêncio se dá:

  em capas de terra negra,

  em botinas ou luvas de terra negra

  para o pé ou a mão

  que mergulha.

  §Como às vezes

  passa com os cães,

  parecia o rio estagnar-se.

  Suas águas fluíam então

  mais densas e mornas;

  fluíam com as ondas

  densas e mornas

  de uma cobra.

  §Ele tinha algo, então,

  da estagnação de um louco.

  Algo da estagnação

  do hospital, da penitenciária, dos asilos,

  da vida suja e abafada

  (de roupa suja e abafada)

  por onde se veio arrastando.

  §Algo da estagnação

  dos palácios cariados,

  comidos

  de mofo e erva-de-passarinho.

  Algo da estagnação

  das árvores obesas

  pingando os mil açúcares

  das salas de jantar pernambucanas,

  por onde se veio arrastando.

  §(É nelas,

  mas de costas para o rio,

  que “as grandes famílias espirituais” da cidade

  chocam os ovos gordos

  de sua prosa.

  Na paz redonda das cozinhas,

  ei-las a revolver viciosamente

  seus caldeirões

  de preguiça viscosa.)

  §Seria a água daquele rio

  fruta de alguma árvore?

  Por que parecia aquela

  uma água madura?

  Por que sobre ela, sempre,

  como que iam pousar moscas?

  §Aquele rio

  saltou alegre em alguma parte?

  Foi canção ou fonte

  em alguma parte?

  Por que então seus olhos

  vinham pintados de azul

  nos mapas?

  II

  (Paisagem do Capibaribe)

  §Entre a paisagem

  o rio fluía

  como uma espada de líquido espesso.

  Como um cão

  humilde e espesso.

  §Entre a paisagem

  (fluía)

  de homens plantados na lama;

  de casas de lama plantadas em ilhas

  coaguladas na lama;