Education by Stone Read online

Page 8


  lessons from the stone (from the outside in,

  a speechless primer) to learn how to spell it.

  *

  Another education by stone: in the backlands

  (from the inside out, and predidactic).

  In the backlands the stone does not give lessons,

  and if it gave them, nothing would be taught;

  there the stone is not something you learn

  but is a stone from birth, penetrating the soul.

  Sobre o sentar- /estar-no-mundo

  Ondequer que certos homens se sentem

  sentam poltrona, qualquer o assento.

  Sentam poltrona: ou tábua-de-latrina,

  assento além de anatômico, ecumênico,

  exemplo único de concepção universal,

  onde cabe qualquer homem e a contento.

  *

  Ondequer que certos homens se sentem

  sentam bancos ferrenhos, de colégio;

  por afetuoso e diplomata o estofado,

  os ferem nós debaixo, senão pregos,

  e mesmo a tábua-de-latrina lhes nega

  o abaulado amigo, as curvas de afeto.

  A vida toda, se sentam mal sentados,

  e mesmo de pé algum assento os fere:

  eles levam em si os nós-senão-pregos,

  nas nádegas da alma, em efes e erres.

  On Sitting/Being-in-the-World

  When certain men sit, no matter where

  they sit, they sit in an easy chair.

  An easy chair, or a toilet seat:

  not only functional but ecumenical,

  the only universally agreed-upon seat,

  where all can fit and feel at home.

  *

  Wherever certain men sit, they sit

  at hard desks, the kind used in schools;

  however large and well-cushioned the seat,

  they are hurt underneath by knots or nails,

  and even the toilet seat denies them

  the convex comfort of its friendly curves.

  All their lives they sit uncomfortably,

  and even when standing, some seat hurts them;

  they carry in themselves the knots or nails,

  in the buttocks of the soul, in p’s and q’s.

  Tecendo a manhã

  Um galo sozinho não tece uma manhã:

  ele precisará sempre de outros galos.

  De um que apanhe esse grito que ele

  e o lance a outro; de um outro galo

  que apanhe o grito que um galo antes

  e o lance a outro; e de outros galos

  que com muitos outros galos se cruzem

  os fios de sol de seus gritos de galo,

  para que a manhã, desde uma teia tênue,

  se vá tecendo, entre todos os galos.

  2

  E se encorpando em tela, entre todos,

  se erguendo tenda, onde entrem todos,

  se entretendendo para todos, no toldo

  (a manhã) que plana livre de armação.

  A manhã, toldo de um tecido tão aéreo

  que, tecido, se eleva por si: luz balão.

  Weaving the Morning

  One rooster cannot weave a morning.

  He will always need other roosters:

  one to catch the cry that he

  and toss it to another, another rooster

  to catch the cry that a rooster before him

  and toss it to another, and other roosters

  that with many other roosters crisscross

  the sun threads of their rooster cries,

  so that the morning, from a tenuous tissue,

  will grow by the weaving of all the roosters.

  2

  And enlarging into a fabric involving all,

  erecting itself into a tent where all may enter,

  extending itself for all, in the canopy

  (the morning) that floats without any frame:

  the morning, a canopy made of a weave so airy

  that, once woven, it rises by itself: balloon light.

  Fábula de um arquiteto

  A arquitetura como construir portas,

  de abrir; ou como construir o aberto;

  construir, não como ilhar e prender,

  nem construir como fechar secretos;

  construir portas abertas, em portas;

  casa exclusivamente portas e teto.

  O arquiteto: o que abre para o homem

  (tudo se sanearia desde casas abertas)

  portas por-onde, jamais portas-contra;

  por onde, livres: ar luz razão certa.

  2

  Até que, tantos livres o amedrontando,

  renegou dar a viver no claro e aberto.

  Onde vãos de abrir, ele foi amurando

  opacos de fechar; onde vidro, concreto;

  até refechar o homem: na capela útero,

  com confortos de matriz, outra vez feto.

  Tale of an Architect

  Architecture: the art of building doors

  to open up — the building of openness;

  building not to isolate and confine

  nor to shut up secrets, but building

  every door an open door — building

  houses made only of doors and roofs.

  Architect: the one who opens to man

  (in open houses all would be cleansed)

  doors-leading-to, never doors-against;

  doors for freeing: air light sure reason.

  2

  Until, intimidated by so many free things,

  he stopped letting life be transparent.

  Where there were openings he put in

  opacities; instead of glass, concrete —

  resealing man in the chapel-uterus

  with the old comforts, once more a fetus.

  Rios sem discurso

  Quando um rio corta, corta-se de vez

  o discurso-rio de água que ele fazia;

  cortado, a água se quebra em pedaços,

  em poços de água, em água paralítica.

  Em situação de poço a água equivale

  a uma palavra em situação dicionária:

  isolada, estanque no poço dela mesma,

  e porque assim estanque, estancada;

  e mais: porque assim estancada, muda,

  e muda porque com nenhuma comunica,

  porque cortou-se a sintaxe desse rio,

  o fio de água por que ele discorria.

  *

  O curso de um rio, seu discurso-rio,

  chega raramente a se reatar de vez;

  um rio precisa de muito fio de água

  para refazer o fio antigo que o fez.

  Salvo a grandiloqüência de uma cheia

  lhe impondo interina outra linguagem,

  um rio precisa de muita água em fios

  para que todos os poços se enfrasem:

  se reatando, de um para outro poço,

  em frases curtas, então frase e frase,

  até a sentença-rio do discurso único

  em que se tem voz a seca ele combate.

  Speechless Rivers

  When a river cuts, it cuts completely

  the discourse its water was speaking;

  cut, the water breaks into pieces,

  into pools of water, paralyzed water.

  Situated in a pool, water resembles

  a word in its dictionary situation:

  isolated, standing in the pool of itself

  and, because it is standing, stagnant.

  Because it is standing, it is mute,

  and mute because it doesn’t communicate,

  because this river’s syntax, the current

  of water on which it ran, was cut.

  *

  The course of a river, its river-discourse,

  can rarely be swiftly restored;

  a river needs considerable water current

  to recreate the current that created it.

  Unless the grandiloquence of a flood />
  imposes a different, interim language,

  a river needs many currents of water

  for all of its pools to be phrased —

  being restored from one pool to the next

  in short phrases, then phrase to phrase,

  until the river-sentence of the only discourse

  in which it can speak will defy the drought.

  O canavial e o mar

  O que o mar sim ensina ao canavial:

  o avançar em linha rasteira da onda;

  o espraiar-se minucioso, de líquido,

  alagando cova a cova onde se alonga.

  O que o canavial sim ensina ao mar:

  a elocução horizontal de seu verso;

  a geórgica de cordel, ininterrupta,

  narrada em voz e silêncio paralelos.

  2

  O que o mar não ensina ao canavial:

  a veemência passional da preamar;

  a mão-de-pilão das ondas na areia,

  moída e miúda, pilada do que pilar.

  O que o canavial não ensina ao mar:

  o desmedido do derramar-se da cana;

  o comedimento do latifúndio do mar,

  que menos lastradamente se derrama.

  The Canefield and the Sea

  What the sea teaches the canefield:

  the quiet rhythm of advancing waves;

  its meticulous liquid spreading

  that fills every hollow where it passes.

  What the canefield teaches the sea:

  the horizontal style of its verse;

  the georgics of street poets, uninterrupted,

  chanted out loud and in parallel silence.

  2

  What the sea doesn’t teach the canefield:

  the passion of a rising tide;

  the pestle-pounding of waves on sand,

  ground ever finer, repesteled, repounded.

  What the canefield doesn’t teach the sea:

  the sugarcane’s unbridled flowing;

  the moderation of the plantation-sea,

  which flows less rampantly.

  Os rios de um dia

  Os rios, de tudo o que existe vivo,

  vivem a vida mais definida e clara;

  para os rios, viver vale se definir

  e definir viver com a língua da água.

  O rio corre; e assim viver para o rio

  vale não só ser corrido pelo tempo:

  o rio o corre; e pois que com sua água,

  viver vale suicidar-se, todo o tempo.

  2

  Pois isso, que ele define com clareza,

  o rio aceita e professa, friamente,

  e se procuram lhe atar a hemorragia,

  ou a vida suicídio, o rio se defende.

  O que um rio do Sertão, rio interino,

  prova com sua água, curta nas medidas:

  ao se correr torrencial, de uma vez,

  sobre leitos de hotel, de um só dia;

  ao se correr torrencial, de uma vez,

  sem alongar seu morrer, pouco a pouco,

  sem alongá-lo, em suicídio permanente

  ou no que todos, os rios duradouros;

  esses rios do Sertão falam tão claro

  que induz ao suicídio a pressa deles:

  para fugir na morte da vida em poças

  que pega quem devagar por tanta sede.

  Rivers for a Day

  Of all the living things there are, rivers

  lead the clearest, most well-defined life;

  to live, for a river, means to define itself,

  and define means to live with its watery tongue.

  The river flows; and so to live, for the river,

  doesn’t just mean to endure time’s flowing;

  it flows through time, and so to live also means

  to commit suicide with its water, all the time.

  2

  What the river clearly defines

  it coldly accepts and professes,

  defending itself against all attempts

  to stop its suicide life, its hemorrhaging.

  Rivers in the Sertão, transient rivers,

  prove this with their intermittent water:

  by flowing torrentially, all at once,

  over hotel beds used just for a day;

  by flowing torrentially, all at once,

  without slowly dragging out their dying,

  without dragging it out in endless

  suicide, like the rivers that endure.

  Those Sertão rivers speak so clearly

  that their rushing induces suicide: flight

  into death from the life of shallow pools

  that holds those who slowly, from thirst, slowly.

  Psicanálise do açúcar

  O açúcar cristal, ou açúcar de usina,

  mostra a mais instável das brancuras:

  quem do Recife sabe direito o quanto,

  e o pouco desse quanto, que ela dura.

  Sabe o mínimo do pouco que o cristal

  se estabiliza cristal sobre o açúcar,

  por cima do fundo antigo, de mascavo,

  do mascavo barrento que se incuba;

  e sabe que tudo pode romper o mínimo

  em que o cristal é capaz de censura:

  pois o tal fundo mascavo logo aflora

  quer inverno ou verão mele o açúcar.

  *

  Só os bangüês que-ainda purgam ainda

  o açúcar bruto com barro, de mistura;

  a usina já não o purga: da infância,

  não de depois de adulto, ela o educa;

  em enfermarias, com vácuos e turbinas,

  em mãos de metal de gente indústria,

  a usina o leva a sublimar em cristal

  o pardo do xarope: não o purga, cura.

  Mas como a cana se cria ainda hoje,

  em mãos de barro de gente agricultura,

  o barrento da pré-infância logo aflora

  quer inverno ou verão mele o açúcar.

  Psychoanalysis of Sugar

  Sugar crystals (the sugar from refineries)

  exhibit the most unstable whiteness:

  people from Recife know just how much,

  and how very little, it will endure.

  They know the slightness of how little

  the crystals can keep the sugar crystallized

  over its ancient past as raw sugar,

  the clayish raw sugar that latently seethes;

  and they know that anything can break

  the slight power of crystals to inhibit,

  for that raw-sugar past soon surfaces

  when winter or summer melts sugar back to syrup.

  *

  Only the older sugar mills still in use

  still purify raw sugar by mixing in clay;

  refineries educate it from an early age

  rather than purify it when already adult.

  In infirmaries, with vacuums and turbines

  run by metal hands of industry people,

  refineries make it sublimate its turbid syrup

  into crystals: they don’t purify, they cure it.

  But since sugarcane is still raised today

  by the clay hands of agriculture people,

  its clayish, preschool past soon surfaces

  when winter or summer melts sugar back to syrup.

  Os reinos do amarelo

  A terra lauta da Mata produz e exibe

  um amarelo rico (se não o dos metais):

  o amarelo do maracujá e os da manga,

  o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;

  amarelo vegetal, alegre de sol livre,

  beirando o estridente, de tão alegre,

  e que o sol eleva de vegetal a mineral,

  polindo-o, até um aceso metal de pele.

  Só que fere a vista um amarelo outro,

  e a fere embora baço (sol não o acende):

  amarelo aquém do vegetal, e se animal,

  de um animal cobre: pobre, po
dremente.

  2

  Só que fere a vista um amarelo outro:

  se animal, de homem: de corpo humano;

  de corpo e vida; de tudo o que segrega

  (sarro ou suor, bile íntima ou ranho),

  ou sofre (o amarelo de sentir triste,

  de ser analfabeto, de existir aguado):

  amarelo que no homem dali se adiciona

  o que há em ser pântano, ser-se fardo.

  Embora comum ali, esse amarelo humano

  ainda dá na vista (mais pelo prodígio):

  pelo que tardam a secar, e ao sol dali,

  tais poças de amarelo, de escarro vivo.

  The Kingdoms of Yellow

  The lush earth of the Mata yields and displays

  an opulent yellow (though not that of metals):

  the yellows of mango and of passion fruit,

  of oiti-da-praia and cajá and cashew;

  a vegetable yellow so joyous in the sunlight

  it almost shouts for joy, the bright sun

  raising it from vegetable into mineral,

  polishing it until its skin gleams metallic.

  But there’s another yellow that hurts the eyes,

  even though it’s dull (doesn’t gleam in the sun):

  a less-than-vegetable yellow which, if it’s animal,

  the animal’s of copper: the shoddy kind, corroded.

  2

  But there’s another yellow that hurts the eyes:

  if it’s animal, it’s of man: of human bodies;

  of bodies and of life; of all that they secrete

  (sweat or pus, bile or snot)

  or suffer (the yellow of feeling sad,

  of being illiterate, of hardly existing):

  a yellow which in those men includes

  being swampy, being their own burden.

  Though common there, this human yellow

  still stands out (for being such a wonder):

  for the sun, though bright, takes forever to dry up

  those shallow, yellow pools of living spit.

  Num monumento à aspirina

  Claramente: o mais prático dos sóis,

  o sol de um comprimido de aspirina:

  de emprego fácil, portátil e barato,

  compacto de sol na lápide sucinta.

  Principalmente porque, sol artificial,