- Home
- Joao Cabral de Melo Neto
Education by Stone Page 8
Education by Stone Read online
Page 8
lessons from the stone (from the outside in,
a speechless primer) to learn how to spell it.
*
Another education by stone: in the backlands
(from the inside out, and predidactic).
In the backlands the stone does not give lessons,
and if it gave them, nothing would be taught;
there the stone is not something you learn
but is a stone from birth, penetrating the soul.
Sobre o sentar- /estar-no-mundo
Ondequer que certos homens se sentem
sentam poltrona, qualquer o assento.
Sentam poltrona: ou tábua-de-latrina,
assento além de anatômico, ecumênico,
exemplo único de concepção universal,
onde cabe qualquer homem e a contento.
*
Ondequer que certos homens se sentem
sentam bancos ferrenhos, de colégio;
por afetuoso e diplomata o estofado,
os ferem nós debaixo, senão pregos,
e mesmo a tábua-de-latrina lhes nega
o abaulado amigo, as curvas de afeto.
A vida toda, se sentam mal sentados,
e mesmo de pé algum assento os fere:
eles levam em si os nós-senão-pregos,
nas nádegas da alma, em efes e erres.
On Sitting/Being-in-the-World
When certain men sit, no matter where
they sit, they sit in an easy chair.
An easy chair, or a toilet seat:
not only functional but ecumenical,
the only universally agreed-upon seat,
where all can fit and feel at home.
*
Wherever certain men sit, they sit
at hard desks, the kind used in schools;
however large and well-cushioned the seat,
they are hurt underneath by knots or nails,
and even the toilet seat denies them
the convex comfort of its friendly curves.
All their lives they sit uncomfortably,
and even when standing, some seat hurts them;
they carry in themselves the knots or nails,
in the buttocks of the soul, in p’s and q’s.
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Weaving the Morning
One rooster cannot weave a morning.
He will always need other roosters:
one to catch the cry that he
and toss it to another, another rooster
to catch the cry that a rooster before him
and toss it to another, and other roosters
that with many other roosters crisscross
the sun threads of their rooster cries,
so that the morning, from a tenuous tissue,
will grow by the weaving of all the roosters.
2
And enlarging into a fabric involving all,
erecting itself into a tent where all may enter,
extending itself for all, in the canopy
(the morning) that floats without any frame:
the morning, a canopy made of a weave so airy
that, once woven, it rises by itself: balloon light.
Fábula de um arquiteto
A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casa exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
2
Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até refechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.
Tale of an Architect
Architecture: the art of building doors
to open up — the building of openness;
building not to isolate and confine
nor to shut up secrets, but building
every door an open door — building
houses made only of doors and roofs.
Architect: the one who opens to man
(in open houses all would be cleansed)
doors-leading-to, never doors-against;
doors for freeing: air light sure reason.
2
Until, intimidated by so many free things,
he stopped letting life be transparent.
Where there were openings he put in
opacities; instead of glass, concrete —
resealing man in the chapel-uterus
with the old comforts, once more a fetus.
Rios sem discurso
Quando um rio corta, corta-se de vez
o discurso-rio de água que ele fazia;
cortado, a água se quebra em pedaços,
em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço a água equivale
a uma palavra em situação dicionária:
isolada, estanque no poço dela mesma,
e porque assim estanque, estancada;
e mais: porque assim estancada, muda,
e muda porque com nenhuma comunica,
porque cortou-se a sintaxe desse rio,
o fio de água por que ele discorria.
*
O curso de um rio, seu discurso-rio,
chega raramente a se reatar de vez;
um rio precisa de muito fio de água
para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
lhe impondo interina outra linguagem,
um rio precisa de muita água em fios
para que todos os poços se enfrasem:
se reatando, de um para outro poço,
em frases curtas, então frase e frase,
até a sentença-rio do discurso único
em que se tem voz a seca ele combate.
Speechless Rivers
When a river cuts, it cuts completely
the discourse its water was speaking;
cut, the water breaks into pieces,
into pools of water, paralyzed water.
Situated in a pool, water resembles
a word in its dictionary situation:
isolated, standing in the pool of itself
and, because it is standing, stagnant.
Because it is standing, it is mute,
and mute because it doesn’t communicate,
because this river’s syntax, the current
of water on which it ran, was cut.
*
The course of a river, its river-discourse,
can rarely be swiftly restored;
a river needs considerable water current
to recreate the current that created it.
Unless the grandiloquence of a flood
/>
imposes a different, interim language,
a river needs many currents of water
for all of its pools to be phrased —
being restored from one pool to the next
in short phrases, then phrase to phrase,
until the river-sentence of the only discourse
in which it can speak will defy the drought.
O canavial e o mar
O que o mar sim ensina ao canavial:
o avançar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de líquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial sim ensina ao mar:
a elocução horizontal de seu verso;
a geórgica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silêncio paralelos.
2
O que o mar não ensina ao canavial:
a veemência passional da preamar;
a mão-de-pilão das ondas na areia,
moída e miúda, pilada do que pilar.
O que o canavial não ensina ao mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifúndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.
The Canefield and the Sea
What the sea teaches the canefield:
the quiet rhythm of advancing waves;
its meticulous liquid spreading
that fills every hollow where it passes.
What the canefield teaches the sea:
the horizontal style of its verse;
the georgics of street poets, uninterrupted,
chanted out loud and in parallel silence.
2
What the sea doesn’t teach the canefield:
the passion of a rising tide;
the pestle-pounding of waves on sand,
ground ever finer, repesteled, repounded.
What the canefield doesn’t teach the sea:
the sugarcane’s unbridled flowing;
the moderation of the plantation-sea,
which flows less rampantly.
Os rios de um dia
Os rios, de tudo o que existe vivo,
vivem a vida mais definida e clara;
para os rios, viver vale se definir
e definir viver com a língua da água.
O rio corre; e assim viver para o rio
vale não só ser corrido pelo tempo:
o rio o corre; e pois que com sua água,
viver vale suicidar-se, todo o tempo.
2
Pois isso, que ele define com clareza,
o rio aceita e professa, friamente,
e se procuram lhe atar a hemorragia,
ou a vida suicídio, o rio se defende.
O que um rio do Sertão, rio interino,
prova com sua água, curta nas medidas:
ao se correr torrencial, de uma vez,
sobre leitos de hotel, de um só dia;
ao se correr torrencial, de uma vez,
sem alongar seu morrer, pouco a pouco,
sem alongá-lo, em suicídio permanente
ou no que todos, os rios duradouros;
esses rios do Sertão falam tão claro
que induz ao suicídio a pressa deles:
para fugir na morte da vida em poças
que pega quem devagar por tanta sede.
Rivers for a Day
Of all the living things there are, rivers
lead the clearest, most well-defined life;
to live, for a river, means to define itself,
and define means to live with its watery tongue.
The river flows; and so to live, for the river,
doesn’t just mean to endure time’s flowing;
it flows through time, and so to live also means
to commit suicide with its water, all the time.
2
What the river clearly defines
it coldly accepts and professes,
defending itself against all attempts
to stop its suicide life, its hemorrhaging.
Rivers in the Sertão, transient rivers,
prove this with their intermittent water:
by flowing torrentially, all at once,
over hotel beds used just for a day;
by flowing torrentially, all at once,
without slowly dragging out their dying,
without dragging it out in endless
suicide, like the rivers that endure.
Those Sertão rivers speak so clearly
that their rushing induces suicide: flight
into death from the life of shallow pools
that holds those who slowly, from thirst, slowly.
Psicanálise do açúcar
O açúcar cristal, ou açúcar de usina,
mostra a mais instável das brancuras:
quem do Recife sabe direito o quanto,
e o pouco desse quanto, que ela dura.
Sabe o mínimo do pouco que o cristal
se estabiliza cristal sobre o açúcar,
por cima do fundo antigo, de mascavo,
do mascavo barrento que se incuba;
e sabe que tudo pode romper o mínimo
em que o cristal é capaz de censura:
pois o tal fundo mascavo logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
*
Só os bangüês que-ainda purgam ainda
o açúcar bruto com barro, de mistura;
a usina já não o purga: da infância,
não de depois de adulto, ela o educa;
em enfermarias, com vácuos e turbinas,
em mãos de metal de gente indústria,
a usina o leva a sublimar em cristal
o pardo do xarope: não o purga, cura.
Mas como a cana se cria ainda hoje,
em mãos de barro de gente agricultura,
o barrento da pré-infância logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
Psychoanalysis of Sugar
Sugar crystals (the sugar from refineries)
exhibit the most unstable whiteness:
people from Recife know just how much,
and how very little, it will endure.
They know the slightness of how little
the crystals can keep the sugar crystallized
over its ancient past as raw sugar,
the clayish raw sugar that latently seethes;
and they know that anything can break
the slight power of crystals to inhibit,
for that raw-sugar past soon surfaces
when winter or summer melts sugar back to syrup.
*
Only the older sugar mills still in use
still purify raw sugar by mixing in clay;
refineries educate it from an early age
rather than purify it when already adult.
In infirmaries, with vacuums and turbines
run by metal hands of industry people,
refineries make it sublimate its turbid syrup
into crystals: they don’t purify, they cure it.
But since sugarcane is still raised today
by the clay hands of agriculture people,
its clayish, preschool past soon surfaces
when winter or summer melts sugar back to syrup.
Os reinos do amarelo
A terra lauta da Mata produz e exibe
um amarelo rico (se não o dos metais):
o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;
amarelo vegetal, alegre de sol livre,
beirando o estridente, de tão alegre,
e que o sol eleva de vegetal a mineral,
polindo-o, até um aceso metal de pele.
Só que fere a vista um amarelo outro,
e a fere embora baço (sol não o acende):
amarelo aquém do vegetal, e se animal,
de um animal cobre: pobre, po
dremente.
2
Só que fere a vista um amarelo outro:
se animal, de homem: de corpo humano;
de corpo e vida; de tudo o que segrega
(sarro ou suor, bile íntima ou ranho),
ou sofre (o amarelo de sentir triste,
de ser analfabeto, de existir aguado):
amarelo que no homem dali se adiciona
o que há em ser pântano, ser-se fardo.
Embora comum ali, esse amarelo humano
ainda dá na vista (mais pelo prodígio):
pelo que tardam a secar, e ao sol dali,
tais poças de amarelo, de escarro vivo.
The Kingdoms of Yellow
The lush earth of the Mata yields and displays
an opulent yellow (though not that of metals):
the yellows of mango and of passion fruit,
of oiti-da-praia and cajá and cashew;
a vegetable yellow so joyous in the sunlight
it almost shouts for joy, the bright sun
raising it from vegetable into mineral,
polishing it until its skin gleams metallic.
But there’s another yellow that hurts the eyes,
even though it’s dull (doesn’t gleam in the sun):
a less-than-vegetable yellow which, if it’s animal,
the animal’s of copper: the shoddy kind, corroded.
2
But there’s another yellow that hurts the eyes:
if it’s animal, it’s of man: of human bodies;
of bodies and of life; of all that they secrete
(sweat or pus, bile or snot)
or suffer (the yellow of feeling sad,
of being illiterate, of hardly existing):
a yellow which in those men includes
being swampy, being their own burden.
Though common there, this human yellow
still stands out (for being such a wonder):
for the sun, though bright, takes forever to dry up
those shallow, yellow pools of living spit.
Num monumento à aspirina
Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,