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Education by Stone Page 6
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Page 6
— O cassaco de engenho
quando é um velho:
— Somente por acaso
ele alcança esse teto.
— O cassaco de engenho
velho nem é acaso:
— É que um cassaco novo
apressou-se no prazo.
— O cassaco de engenho
quando é um velho:
— Então, chegado aí,
se apressa em esqueleto.
— Se apressa a descarnar
como taipa em ruína:
— E como ele é de taipa
seu esqueleto é faxina.
2
— O cassaco de engenho
de longe é como gente:
— De perto é que se vê
o que há de diferente.
— O cassaco de engenho,
de perto, ao olho esperto:
— Em tudo é como homem,
só que de menos preço.
— Não há nada de homem
que não tenha, em detalhe,
e tudo por inteiro,
nada pela metade.
— É igual, mas apesar,
parece recortado
com a tesoura cega
de alfaiate barato.
7
— O cassaco de engenho
de longe é de osso e carne:
— De perto é que se vê
que de outra qualidade.
— O cassaco de engenho
se se chega a tocá-lo:
— É outra a consistência
de seu corpo, é mais ralo.
— Tem a textura bruta
e ao mesmo tempo frouxa,
menos que algodãozinho,
sim própria das estopas.
— E dos panos puídos
chegados ao estado
em que, no português,
pano passa a ser trapo.
12
—O cassaco de engenho
de longe é o mesmo barro:
— De perto é que se vê
que o dele foi mais baço.
— O cassaco de engenho
é opaco e mortiço:
— Nunca aprende com os aços
de uma usina, seu brilho.
— Nem com o brilho mais cego
do cobre que ele vê
nas tachas em que mexe
nos engenhos bangüê.
— Sequer aprende o brilho
do cabo das enxadas
que ele enverniza em seco
com a lixa da mão áspera.
17
— O cassaco de engenho
de longe é branco ou negro:
— De perto é que se vê
que é amarelo mesmo.
— O cassaco de engenho
é amarelo sempre:
— Mas do amarelo inchado
que é verde levemente.
— Desse verde amarelo
em que o azul não entra
e que não fosse nele
se diria doença.
— Um verde especial,
espécie de auriverde,
só dele, branco ou negro,
de receita só dele.
3
— O cassaco de engenho
quando está dormindo:
— Se vê que é incapaz
de sonhos privativos.
— Nele não há esse ar
distante ou distraído
de quem detrás das pálpebras
um filme está assistindo.
— Detrás de suas pálpebras
haverá apenas treva
e de certo nenhum
sonho ali se projeta.
— O cassaco de engenho
dorme em sala deserta:
— A nenhum sonho-filme
assiste, nem tem tela.
8
— O cassaco de engenho
quando não está dormindo:
— É como se seu sono
ainda o encharcasse, limo.
— Quando não está dormindo
não é que está acordado,
é apenas que caminha
onde o sono é mais raso.
— Não tem como evitar
que o marasmo o embeba
e o impeça de subir
à consciência seca.
— O cassaco de engenho
nunca acorda de todo:
— Anda sempre nos pântanos
do sono, por seu lodo.
13
— O cassaco de engenho
quando no trabalho:
— Tudo com que trabalha
lhe parece pesado.
— É como se seu sangue,
que entretanto é mais ralo,
lhe pesasse no corpo,
espesso como caldo.
— Como o caldo de cana
já muito cozinhado
e que vai-se espessando
no gesto do melaço.
— O cassaco de engenho
tem o ritmo pesado:
— O do gesto do mel
deixando o último tacho.
18
— O cassaco de engenho
quando não trabalha:
— As coisas continuam
sendo-lhe bem pesadas.
— Por sua pouca roupa
está sempre esmagado
e pesa-lhe no pé
inexistente sapato.
— Pesa-lhe a mão que leva
e se não leva nada,
e pesa-lhe igualmente
se se move ou parada.
— Ao cassaco de engenho
pesa o ar que respira:
— E até mesmo lhe pesa
o chão sobre que pisa.
4
— O cassaco de engenho
faz amarelamente
toda coisa que toca
tocando-a, simplesmente.
— É o contrário do barro
das casas-de-purgar
que se bota no açúcar
a fim de o branquear.
— O cassaco de engenho
purga tudo ao contrário:
— Como o barro, se infiltra,
mas deixa tudo barro.
— Limpa tudo do limpo
e deixa em tudo nódoa:
— A que há em sua camisa,
em sua vida, no que toca.
9
— O cassaco de engenho
vai amarelamente
entre todo esse azul
que é Pernambuco sempre.
— Mesmo contra o amarelo
da palha canavial,
ainda é mais amarelo
o seu, porque moral.
— O cassaco de engenho
é o amarelo tipo:
— É amarelo de corpo
e de estado de espírito.
— De onde a calma que às vezes
parece sabedoria:
— Mas não é calma, nada,
é o nada, é calmaria.
14
— O cassaco de engenho
é amarelamente
mesmo no mundo em cor
que bebe na aguardente.
— Primeiro, a aguardente
lhe dá um certo azul
e esquecido o amarelo,
ele quer ir-se ao Sul.
— Ao cassaco de engenho
depois o azul é roxo:
— Já em vez de ir-se ao Sul
deseja é ir-se morto.
— Por fim, inevitável,
volta a vida amarela:
— No amargor amarelo
da ressaca que o espera.
19
— O cassaco de engenho
vê amarelamente
todo o rosa-Brasil
que ele habita e não sente.
— Para ele, a água do rio
não é azul mas barro,
e as nuvens, aniagem,
pardas, de pano saco.
— Ao cassaco de engenho
nunca a terra é de vargem:
— E o di
a mostra sempre
desbotada folhagem.
— E outra é a morte que vem
retratar seu trespasse:
— Não usa pano preto,
cobre-se, sim, de cáqui.
5
— O cassaco de engenho
quando doente-com-febre:
— Não de febre amarela
mas da de sezões, verde.
— Por fora, se se toca
no seu corpo de gente:
— Se pensa que a caldeira
dele afinal se acende.
— Contudo se se toca
esse corpo por dentro:
— Se vê que, se é caldeira,
nem tem assentamento.
— Que se é engenho, é
de fogo frio ou morto:
— Engenho que não mói,
que só fornece aos outros.
10
— O cassaco de engenho
quando vai morrendo:
— Então seu amarelo
se ilumina por dentro.
— Adquire a transparência
própria ao cristal anêmico:
— Aquela de que a cera
dá o melhor exemplo.
— Adquire a transparência
própria de qualquer vela:
— Da mesma em cuja ponta
plantam a chama que o vela.
— A dele, então, é igual
à carne dessa vela:
— E a chama se pergunta
por que não a acendem nela.
15
— O cassaco de engenho
quando o carregam, morto:
— É um caixão vazio
metido dentro de outro.
— É morte de vazio
a que carrega dentro:
— E como é de vazio,
ei-lo que não tem dentros.
— Do caixão alugado
nem chega a ser miolo:
— Pois como ele é vazio,
se muito, será forro.
— O enterro do cassaco
é o enterro de um coco:
— Uns poucos envoltórios
em volta do centro oco.
20
— O cassaco de engenho
defunto e já no chão:
— Para rápido acabá-lo
tudo faz mutirão.
— O massapê, piçarra,
e a Mata faz Sertão.
— E o sol, para ajudar,
se é inverno faz verão.
— Para roer os ossos
os vermes viram cão:
— E outra vez vermes, vendo
o giz que os ossos são.
— E o vento canavial
dá também sua demão:
— Varre-lhe os gases da alma,
levando-a (lavando), são.
Party at the Manor House
(Congressional rhythm; Northeast accent)
1
— The sugar mill worker
in a large or small mill
— Is the same mill worker
with a different rhyme.
— The sugar mill worker
in a raw mill or refinery:
— “Sugar mill worker”
is the crucial denominator.
— Any sugar mill worker
from any Pernambuco:
— When he says “sugar mill worker”
will have said everything.
— Whatever his name,
position or salary:
— By saying “sugar mill worker,”
he will have said it all.
6
— The sugar mill worker
in child form
— Looks like a cross
between reed and cane.
— The child mill worker
has more of the reed:
— Is more like his father,
because he is lean.
— The sugar mill worker
in child form
— Is not only reed,
he is also cane.
— But cane that is weak
from overharvesting:
— A degenerate breed
of the fourth or fifth cutting.
II
— The sugar mill worker
in female form
— Is an empty sack
that stands on two feet.
— The female mill worker
is essentially a sack
— Of sugar without
any sugar inside.
— The sugar mill worker
in female form
— Is a sack that cannot
conserve or contain.
— She’s a sack made
just to be emptied
— Of other sacks made in her
nobody knows how.
16
— The sugar mill worker
in the form of an old man:
— Only by chance
does he get that far.
— The old mill worker
isn’t old by chance:
— He’s a young mill worker
who hurried up his age.
— The sugar mill worker
in the form of an old man:
— Having gotten that far,
he hurries to become a skeleton.
— He hurriedly grows lean
like a mud wall in ruins:
— His flesh is the mud,
his skeleton the frame.
2
— The sugar mill worker
looks like us from a distance:
— Looking closer one sees
what sets him apart.
— The sugar mill worker
up close, to a sharp eye:
— Is in all respects human
but at half the price.
— He is missing nothing
that you and I have,
down to every detail,
like any normal man.
— He’s the same, yet seems
to have been cut out
by the dull scissors
of a third-rate tailor.
7
— The sugar mill worker
looks like flesh and blood:
— Looking closer one sees
just what substance he is.
— The mill worker’s body
when actually touched
— Proves to be different,
of a thinner consistence.
— Its texture is rough
and at the same time slack,
like cheap cotton cloth
or like cotton scraps.
— Like well-worn cloths
torn and tattered
to where, in our language,
cloths become rags.
12
— The sugar mill worker
seems to be of our clay:
— Looking closer one sees
that his clay was grayer.
— The sugar mill worker
is shadowy and dim:
— He never learns to shine
like the sugar mill’s steels.
— He can’t even shine
like the duller copper
of the vats he stirs
in the smaller mills.
— He never even learns
to shine like the hoe handles
he dry polishes daily
with his sandpaper hand.
17
— The sugar mill worker
looks white or black:
— Looking closer one sees
he is actually yellow.
— The sugar mill worker
is always yellow:
— A swollen yellow,
slightly green.
— That yellowish green
without any blue,
which in anyone else
would be called disease.
— A special green,
a kind of greenish gold,
be he black or white,
a color all his own.
/>
3
— The sugar mill worker
when he is sleeping
— Is obviously incapable
of private dreams.
— He’s missing that faraway
look of enchantment
of those who watch films
behind their eyelids.
— Behind his eyelids
there is only a darkness
where surely no dream
is being projected.
— The mill worker sleeps
in an empty cinema
— Where there is no film-dream,
nor even a screen.
8
— The sugar mill worker
when he’s not sleeping
— Looks like seaweed,
as if sleep still drenched him.
— When he’s not sleeping,
he isn’t really awake;
he merely walks
in a shallower sleep.
— He cannot escape
the marasmus that soaks him
and keeps him from rising
to a dry consciousness.
— The sugar mill worker
is never fully awake:
— He still walks in the swamps
of sleep, through their mire.
13
— The sugar mill worker
when he’s at work:
— Everything he works with
feels heavy to him.
— It’s as if his blood,
though thinner than ours,
weighed on his body
like juice when thick.
— Like sugarcane juice which,
after much cooking,
gets thicker and thicker
until it’s molasses.
— The sugar mill worker
has a heavy rhythm:
— Like the final molasses
leaving the final vat.
18
— The sugar mill worker
when not at work
— Continues to feel
that things are quite heavy.
— He is constantly crushed
by his scanty clothing,
and his nonexistent shoes
weigh heavy on his feet.
— His hand weighs heavy
lifting something or nothing,
and it weighs on him whether
it’s moving or still.
— To the sugar mill worker
his very breath is heavy:
— And he even feels the weight
of the ground he walks on.
4
— The sugar mill worker
yellowishly tinges
all that he touches
merely by touching it.
— He’s the converse of the clay
in the bleaching chambers
added to the sugar
to make it turn white.
— The sugar mill worker
bleaches in reverse:
— He penetrates, like the clay,
but turns everything dirty.
— He cleans off the cleanness
and leaves behind a smudge:
— The smudge on his shirt,
on his life, on what he touches.
9
— The sugar mill worker
yellowishly lives
among all that blue