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  The time of the poem is over;

  there is its space, this unmoving,

  unbreaking, unchanging stone,

  and within the reach of memory

  even desperation, tedium.

  Proust e seu livro

  De certo o sabia, quem viveu

  com a vida e a obra emaranhadas,

  que viveu fazendo-as, refazendo-as,

  elastecendo-a em tempo e páginas,

  que vestiu sua obra, por dentro,

  percorrendo-a, viajando em seu barco,

  de certo viu que um dia acabá-la

  era matar-se em livro, suicidá-lo.

  Proust and His Book

  He whose work and life

  were inexorably entwined,

  who lived to make and remake them,

  stretching them in time and pages,

  who wore his work inside himself,

  exploring it, sailing in its ship,

  must have known its final line

  would spell a double suicide.

  from

  A escola das facas / The School of Knives

  1980

  Menino de engenho

  A cana cortada é uma foice.

  Cortada num ângulo agudo,

  ganha o gume afiado da foice

  que a corta em foice, um dar-se mútuo.

  Menino, o gume de uma cana

  cortou-me ao quase de cegar-me,

  e uma cicatriz, que não guardo,

  soube dentro de mim guardar-se.

  A cicatriz não tenho mais;

  o inoculado, tenho ainda;

  nunca soube é se o inoculado

  (então) é vírus ou vacina.

  Plantation Boy

  The cut sugar stalk is a sickle.

  Cut at a sharp angle it gains

  the whetted edge of the sickle

  that cut it to a sickle: a mutual giving.

  When I was a boy, the edge of a stalk

  once cut and almost blinded me,

  and a scar, which left no visible mark,

  knew how to make its mark inside me.

  Though I no longer have the scar,

  what was inoculated is in me still;

  I have never discovered

  if it is a virus or vaccine.

  Horácio

  O bêbado cabal.

  Quando nós, de meninos,

  vivemos a doença

  de criar passarinhos,

  e as férias acabadas

  o horrível outra-vez

  do colégio nos pôs

  na rotina de rês,

  deixamos com Horácio

  um dinheiro menino

  que pudesse manter

  em vida os passarinhos.

  Poucos dias depois

  as gaiolas sem língua

  eram tumbas aéreas

  de morte nordestina.

  Horácio não comprara

  alpiste; e tocar na água

  gratuita, para os cochos,

  certo lhe repugnava.

  Gastou o que do alpiste

  com o alpiste-cachaça,

  alma do passarinho

  que em suas veias cantava.

  Horácio

  The perfect drunk . . .

  When we as children

  went through the craze

  of raising birds

  and, vacation ended,

  the here-we-go-again

  of school had pulled us back

  to the hated grindstone,

  we left with Horácio

  our childish savings,

  enough to keep

  alive the birds.

  A few days later

  the songless cages

  were aerial graves

  of Northeast death.

  Horácio bought no seed,

  and to refill dishes

  with water that cost nothing

  must have disgusted him.

  He spent what was for birdseed

  on alcoholic seed,

  soul of the bird

  which in his blood was singing.

  A voz do canavial

  Voz sem saliva da cigarra,

  do papel seco que se amassa,

  de quando se dobra o jornal:

  assim canta o canavial,

  ao vento que por suas folhas,

  de navalha a navalha, soa,

  vento que o dia e a noite toda

  o folheia, e nele se esfola.

  The Voice of the Canefield

  Spitless voice of the cicada,

  of dry crumpling paper,

  of the newspaper when it folds:

  so is the singing of the canefield

  in the wind which through its leaves

  from razor to razor breathes,

  wind which all night and day

  leafs through it and is flayed.

  Forte de Orange, Itamaracá

  A pedra bruta da guerra,

  seu grão granítico, hirsuto,

  foi toda sitiada por

  erva-de-passarinho, musgo.

  Junto da pedra que o tempo

  rói, pingando como um pulso,

  inroído, o metal canhão

  parece eterno, absoluto.

  Porém o pingar do tempo

  pontual, penetra tudo;

  se seu pulso não se sente,

  bate sempre, e pontiagudo,

  e a guerrilha vegetal

  no seu infiltrar-se mudo,

  conta com o tempo, suas gotas

  contra o ferro inútil, viúvo.

  E um dia os canhões de ferro,

  sua tesão vã, dedos duros,

  se renderão ante o tempo

  e seu discurso, ou decurso:

  ele fará, com seu pingo

  inestancável e surdo,

  que se abracem, se penetrem,

  se possuam, ferro e musgo.

  Fort Orange, Itamaracá

  The rough stone of war,

  its rugged, granitic grain,

  was besieged and overrun

  by moss and mistletoe.

  Next to the stone which time

  erodes, beating like a pulse,

  the uneroded cannon metal

  seems eternal, absolute.

  But the punctual trickling

  of time penetrates all;

  even if not felt, its pulse

  continues its pointed beating,

  and the vegetal guerrillas

  can count on time’s trickle

  in their silent infiltration

  against the widowed iron.

  And one day the hard fingers,

  the cannons’ vain rigidity,

  will also surrender to time

  and its rhetoric, its regularity;

  trickling, unheard and unchecked,

  it will force them to embrace,

  penetrate and possess

  each other, iron and moss.

  A voz do coqueiral

  O coqueiral tem seu idioma:

  não o de lâmina, é voz redonda:

  é em curvas sua reza longa,

  decerto aprendida das ondas,

  cujo sotaque é o da sua fala,

  côncava, curva, abaulada:

  dicção do mar com que convive

  na vida alísia do Recife.

  The Voice of the Coconut Grove

  The language of the coconut grove

  is not of the blade but round:

  in curves it voices its long prayer,

  which it must have learned from the waves,

  whose accent, like its speech,

  is concave, curved, arched:

  diction of the sea with which it lives

  the wind-whipped life of Recife.

  A escola das facas

  O alísio ao chegar ao Nordeste

  baixa em coqueirais, canaviais;

  cursando as folhas laminadas,

  se afia em peixeiras, punhais.

  Por isso, sobrevoada a Mata,

  suas mãos, antes fêmeas, redondas
,

  ganham a fome e o dente da faca

  com que sobrevoa outras zonas.

  O coqueiro e a cana lhe ensinam,

  sem pedra-mó, mas faca a faca,

  como voar o Agreste e o Sertão:

  mão cortante e desembainhada.

  The School of Knives

  On reaching the Northeast the trade wind

  sweeps through coconut and cane fields;

  coursing through the green blades,

  it whets itself on cleavers, on daggers.

  Flying over the fertile Mata,

  its hands, which were round and female,

  acquire the appetite and teeth of knives,

  with which it flies over other regions.

  The coconut tree and cane stalk teach it,

  not with the grindstone but knife to knife,

  how to fly through the Sertão backlands,

  sharp hand drawn and ready to strike.

  Barra do Sirinhaém

  1

  Se alguém se deixa, se deita,

  numa praia do Nordeste,

  ao sempre vento de leste,

  mais que se deixa, se deita,

  se se entrega inteiro ao mar,

  se fecha o corpo, se isola

  dentro da própria gaiola

  e menos que existe, está;

  se além disso a brisa alísia

  que o mar sopra (ou sopra o mar)

  faça com que o coqueiral

  entoe sua única sílaba:

  esse alguém pode que ouvisse,

  assim cortado, e vazio,

  no seu só estar-se, o assovio

  do tempo a fluir, seu fluir-se.

  2

  Se alguém se deixa, se deita,

  numa praia do Nordeste

  ao sempre vento de leste;

  mais que se deita, se deixa,

  sente com o corpo que a terra

  roda redonda em seu eixo,

  pois que pode sentir mesmo

  que as suas pernas se elevam,

  que há um subir do horizonte,

  que mais alto que a cabeça

  seu corpo também se eleva,

  vem sobre ele o mar mais longe.

  Essas praias permitem

  que o corpo sinta seu tempo,

  o espaço no rodar lento,

  sua vida como vertigem.

  The Sandbank at Sirinhaém

  1

  If you let go and you lie down

  under the steady eastern wind

  of a beach in Northeast Brazil,

  more than letting go, you lie;

  if you give yourself up to the sea,

  your body closes in, isolates

  itself inside its own cage,

  and less than existing, you are;

  if furthermore the trade wind

  stirred by the sea (or stirring it)

  makes the coconut trees

  intone their single syllable,

  you may be able to hear,

  in this detached and empty

  state, just being, the whistling

  of time flowing, your flowing.

  2

  If you let go and you lie down

  under the steady eastern wind

  of a beach in Northeast Brazil,

  more than lying, you let go,

  you feel with your body that

  the Earth turns round your axis,

  and you can even feel

  that your legs are lifting,

  that the horizon is rising,

  that higher than your mind

  your body also rises,

  covered by the furthest sea.

  These beaches make it possible

  for the body to feel its time,

  space in its slow turning,

  your life as revolution.

  A cana-de-açúcar menina

  A cana-de-açúcar, tão pura,

  se recusa, viva, a estar nua:

  desde cedo, saias folhudas

  milvestem-lhe a perna andaluza.

  É tão andaluza em si mesma

  que cresce promíscua e honesta:

  cresce em noviça, sem carinhos,

  sem flores, cantos, passarinhos.

  Sugarcane Girl

  Sugarcane is too virtuous

  to be seen, alive, in the nude:

  leafy skirts from a young age dress

  and re-dress her Andalusian leg.

  Because she is so Andalusian,

  she grows up promiscuous and pure:

  as a novice, without caresses,

  without songs or birds or flowers.

  A cana e o século dezoito

  A cana-de-açúcar, tão mais velha,

  que o século dezoito, é que o expressa.

  A cana é pura enciclopedista,

  no geométrico, no ser-de-dia,

  na incapacidade de dar sombras,

  mal-assombrados, coisas medonhas,

  no gosto das várzeas ventiladas,

  das cabeleiras bem penteadas,

  de certa esbelteza linear,

  porte incapaz de se desleixar,

  e que vivendo em mares, anônima,

  nunca se entremela como as ondas:

  mas guardam a elegância pessoal,

  postura e compostura formal,

  muito embora exposta à devassada

  luz sem pudor, sem muros, de várzea.

  Sugarcane and the Eighteenth Century

  Much older than the eighteenth century,

  sugarcane can tell its history.

  Sugarcane is a pure encyclopedist

  in its fondness for daytime and geometry,

  in its refusal to make shadows,

  frightful things, phantoms,

  in its taste for lowlands well aired,

  for well-combed heads of hair,

  for a certain linear grace,

  a bearing that’s never careless;

  and living by the sea it remains

  anonymous, never making waves.

  But it has an elegance all its own,

  a sense of proportion, a formal pose,

  despite its exposure to the wide-open,

  unwalled, shameless light of the lowlands.

  from

  Agrestes / Rough & Rude

  1985

  O nada que é

  Um canavial tem a extensão

  ante a qual todo metro é vão.

  Tem o escancarado do mar

  que existe para desafiar

  que números e seus afins

  possam prendê-lo nos seus sins.

  Ante um canavial a medida

  métrica é de todo esquecida,

  porque embora todo povoado

  povoa-o o pleno anonimato

  que dá esse efeito singular:

  de um nada prenhe como o mar.

  The Nothing That Is

  A sugarcane field is so vast

  that all measures of it are vain.

  It has the sea’s unending

  wide-openness, defying

  numbers and their ilk

  to trap it in their assertions.

  In the canefield one forgets

  to measure anything at all,

  for although it is populous,

  its population is anonymous,

  making it resemble a pregnancy

  of nothingness, like the sea’s.

  Bancos & catedrais

  Quando de carro comigo

  por Sevilha, Andaluzia,

  passando por cada igreja,

  recolhida, te benzias.

  Pela larga Andaluzia

  ninguém se engana de igreja:

  amplas paredes caiadas

  com portais pardos, de pedra.

  Contudo, quando comigo

  pela Vila de Madrid

  notei que tu te benzias

  passando o que, para ti,

  lembrava vulto de igreja.

  O que era monumental

  fazia-te imaginar:

  eis mais outra catedral.


  Sem querer, não te enganavas:

  se não eram catedrais

  eram matrizes de bancos,

  o verbo de onde as filiais.

  Só erravas pela metade

  benzendo-te em frente a bancos;

  quem sabe foram construídos

  para lucrar desse engano?

  Banks & Cathedrals

  Traveling with me by car

  through Seville, in Andalusia,

  before every church we passed

  you quietly crossed yourself.

  Nowhere in Andalusia

  could a church ever be mistaken;

  all have broad, whitewashed walls

  with doorways of gray stone.

  But when we were in the city

  Madrid, I noticed you still

  crossed yourself each time

  we passed what to your mind

  recalled the form of a church.

  The monumental features

  made you think immediately:

  ah! another cathedral.

  You were not far off the mark,

  for although not cathedrals

  they were central banks,

  the Word from which the branches.

  You were only half in error

  to cross yourself before banks.

  Weren’t they built in the first place

  to profit from that mistake?

  Homenagem renovada a Marianne Moore

  Cruzando desertos de frio

  que a pouca poesia não ousa,

  chegou ao extremo da poesia

  quem caminhou, no verso, em prosa.

  E então mostrou, sem pregação,

  com a razão de sua obra pouca,

  que a poesia não é de dentro,

  que é como casa, que é de fora;

  que embora se viva de dentro

  se há de construir, que é uma coisa

  que quem faz faz para fazer-se

  — muleta para a perna coxa.

  Renewed Homage to Marianne Moore

  Crossing deserts of coldness

  which slight poetry will not risk,

  she who walked through verse

  in prose arrived at poetry’s limit.

  She was able to show, without preaching,

  by the reason of her spare work,